terça-feira, 8 de março de 2011

Mártires do Rio Grande do Norte - Mártires de Uruaçu

Após as notícias dos cruéis massacres de Cunhaú, os moradores do Rio Grande do Norte tornaram-se cada vez mais receosos de novos ataques e suspeitosos da conivência das autoridades flamengas em relação aos ataques.

Por isso, alguns moradores pediram hospedagem no Forte Ceulen, nome dado pelos holandeses à Fortaleza dos Reis Magos, como hóspedes. Entre estes estava o pe. Francisco Ambrósio Ferro.

Após deixar Cunhaú, Jacó Rabe e seus comparsas continuou as pilhagens e os assassinatos em vários outros povoados do Rio Grande do Norte. Em meados de setembro, dirigiu-se a Pontegi, onde os portugueses haviam erigido uma cerca de pau-a-pique para defenderem-se dos ataques.

Em Potengi, localizada a 25 quilômetros de Natal, os moradores estavam temerosos pelo início da insurreição portuguesa em Pernambuco (a qual estava distante, considerando-se as circunstâncias de deslocamento e comunicação da época de Rio Grande) e assustados com os fatos ocorridos, principalmente em Cunhaú. Por isso, montaram uma fortaleza sólida de pau-a-pique a fim de defenderem-se dos holandeses e principalmente de Jacó Rabe. Segundo algumas fontes, setenta moradores ai se defendiam, mas contando apenas os homens adultos; fontes holandesas falam de “232 homens, mulheres e crianças” e mais “100 negros” escravos.

O Alto e Secreto Conselho do Recife determinou a execução de todos os moradores, considerando tal situação como uma insurreição. Jacó Rabe iniciou um cerco à fortaleza de Potengi, onde os moradores resistiram durante quinze dias; mas Rabe mandou trazer peças de artilharia, e os moradores foram obrigados a se render.

No dia 2 de outubro de 1645, o conselheiro Adriaen van Bullestrate, um dos responsáveis pela condução dos destinos do Brasil holandês, desembarcou no Rio Grande, a fim de verificar se as ordens de execução foram executadas.

No dia seguinte, doze portugueses que se encontravam hospedados na Fortaleza dos Reis Magos, incluindo o pe. Francisco Ambrósio, foram levados a Uruaçu, onde se localizava Potengi. Chegando no Porto de Uruaçu, chamado Potengi pelos índios, foram forçados a se despir de suas roupas e a se ajoelhar. Ao sinal dado, os índios potiguares comandados por Antônio Paraopaba, um índio educado na Holanda e um dos defensores mais fanáticos do calvinismo, massacraram de maneira crudelíssima os indefesos mártires, despedaçando-os ainda vivos, enquanto eram convidados a abjurar a fé e trair seu país.

Enquanto isso, os moradores da cerca mantinham-se em orações e penitências, cientes do destino que os aguardava. Após encerrada a execução do primeiro grupo, os soldados foram enviados para buscá-los. As ordens eram para que apenas os homens fossem levados; mas também algumas mulheres, acompanhadas pelos seus filhos, foram levadas e sacrificadas.
Beato Francisco Ambrósio
Ferro

Ao chegarem estes no local de martírio, viram o sangue e os membros dilacerados dos outros companheiros, e resignaram-se com sua sorte. Os índios os martirizaram de maneira igualmente cruel.

Dentre os fatos narrados, destacam-se a violência cometida com excesso contra o pe. Francisco Ambrósio, e a morte de Matias Moreira. Enquanto seu coração era arrancado pelas costas, exclamava: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento!”

Depois de assassinados, os corpos dos mártires foram reduzidos a pedaços. Não se sabe ao certo quantos foram, mas deduz-se aproximadamente oitenta mortos em Potengi, dos quais vinte e oito foram beatificados.

Mártires do Rio Grande: Mártires de Cunhaú

Após a conquista da capitania do Rio Grande pelos holandeses, em 8 de dezembro de 1633, muitos moradores foram mortos em circustâncias diferentes, Um exemplo lembrado pela história é o assassinato de Francisco Coelho, dono do engenho de Potengi, e de sua família, em 14 de dezembro do mesmo ano.

Os fatos ocorridos em Cunhaú e em Uruaçu em 1645, porém, são de natureza diversa. São fatos com uma forte matiz religiosa, e percebe-se na ação dos agressores o ódio pela fé e a aceitação livre do martírio, por amor a Deus, pelo lado dos assassinados.

Cunhaú localiza-se em uma região estratégica dentro dos limites da antiga capitania, e por isso foi logo fortemente conquistada pelos holandeses, logo em 1634. Em 1645, porém, vivia-se em relativa harmonia entre portugueses e holandeses. Apesar da insurreição iniciada em Pernambuco, a notícia ainda não chegara em Rio Grande.

Jacó Rabe era um homem extremamente violento, natural da Alemanha, mas que emigrara para Holanda e trabalhava a serviço da Companhia das Índias Ocidentais. Foi intérprete desta Companhia junto aos índios tapuias, assimilando seus costumes, e casou-se com uma índia, de nome Domingas. Aproveitando-se de sua influência junto aos índios, instigou-lhes a atacar os portugueses, invadindo, saqueando e matando-os. Chegou a ser repreendido algumas vezes pelas autoridades holandesas.

O ano de 1643, o Supremo Conselho dos holandeses expediu uma ordem de prisão contra Rabe, mas a mesma não foi cumprida. Pelo contrário, as autoridades continuaram a acobertá-lo.

No dia 15 de julho de 1645, Rabe chegou ao Rio Grande, alegando trazer uma mensagem do Supremo Conselho Holandês do Recife aos moradores de Cunhaú, e ordenou que todos esperassem após a missa dominical, no dia seguinte, para ouvirem as ordens que trouxera.

Apesar da chuva torrencial, muitas pessoas compareceram à santa Missa, afim de cumprirem o precito dominical, na igreja de Nossa Senhora das Candeias. Outros ainda não puderam comparecer à missa, e refugiaram-se na casa de engenho.

Capela onde aconteceram os martírios
O pároco, pe. André de Soveral, iniciou a santa Missa. Após a Consagração e a elevação da hóstia, Rabe mandou entrar os índios e trancar as portas. Os fiéis foram cruelmente assassinados enquanto rezavam, sem esboçar reação.

Os índios tapuias tentaram atacar o pe. André, mas este exortou-os a não tocar nos objetos sagrados e no altar, e ficaram com medo de o matar. Mas um índio potiguar, Jererera, fanaticamente convertido à religião calvinista, o feriu com uma adaga.

Após o massacre na capelinha, os agressores dirigiram-se à casa de engenho, onde quase todos os moradores tiveram semelhante fim, com exceção de três moradores, os quais fugiram pelo telhado, e do dono do engenho, Gonçalo de Oliveira, e sua família, tidos como amigos dos invasores flamengos.