domingo, 2 de setembro de 2012

Cardeal Martini aos jovens: "A liberdade nem sempre é encontrada onde se espera que ela esteja"

Reproduzo aqui a resposta do cardeal Martini à carta de uma jovem chamada Sara, publicada no jornal Corriere della Serra, em 12 de março de 2010, traduzida por Moisés Sbardelotto e publicada pelo IHU,  a qual me fez conhecer quem era esse cardeal e pesquisar mais sobre suas obras.

A liberdade vem apenas do coração

Cara Sara, decidi refletir contigo um pouco sobre a liberdade. Estás pronta? Ocorre frequentemente, como tu sabes, de os adultos rirem diante das expressões de liberdade das crianças. Tu não tens problema para dizer "gosto de ti... tanto assim!" E abres os braços para dizer como é grande o teu amor. Basta chegar aos 15 anos e não se vê mais aquele "tanto assim". Que pena! A liberdade é o maior dom que todo ser humano recebe, mas se torna logo também o fruto da sua maior conquista. De fato, perdemo-la facilmente com a idade, porque crescendo nos tornamos escravos de milhares de coisas.




Ser livres, ser escravos, o que isso quer dizer?, tu estarás te perguntando. Provavelmente, há poucos meses, tu te encontraste de é sobre a cadeira animando o almoço de Natal com uma bela poesia ou diante do microfone no recital da escola. Talvez estavas emocionada, mas o fizeste, e foi bonito. Se tu esqueceste um verso da poesia, o que importa, estavam todos felizes por te ouvir. A liberdade é justamente a capacidade de fazer com que os outros vejam que não somos perfeitos e que podemos ser bons, mas nem sempre.

Talvez, tu penses que perder a liberdade seja só ao sermos colocados na prisão e não poder fazer o que se quer, mas, acredita-me, depois de ter girado tanto o mundo, posso te dizer com certeza que não é isso. Eu estive muitas vezes na prisão, sabias? Havia homens e mulheres que se encontravam ali há muitos anos, e outros que permaneceriam ainda muito tempo. Podiam escrever e, às vezes, telefonar para seus familiares, mas não lhes era permitido ir encontrá-los. Eu celebrei muitas vezes a Missa para eles, porque não tinham nem a possibilidade de ir à igreja. Muitos me contaram o mal que fizeram e falaram sobre como, até ali dentro, se aprendem tantas coisas, sobre como é possível voltar a ser bons, a sonhar com coisas belas e fazê-las. Assim, entendi que também em uma cela é possível ser livre. A liberdade dá asas à vida, e ninguém pode encerrar o amor em uma "camisa listrada"

Eu sei, é difícil para ti quando teu pai te diz "não, isso não se faz!". Tu pensas que, não fosse pelos teus pais, tu serias livre para fazer tudo o que queres. Eu fui "chefe" de tantas coisas na minha vida, mas não me sentia livre só porque eu era o "chefe". A liberdade vem apenas do coração.

Queria que tu lesses uma carta que Paulo, um apóstolo verdadeiramente incansável, escreveu da prisão ao seu amigo Filêmon – que nome estranho, não? Naquele tempo, os prisioneiros eram presos com correntes, mas Paulo não se lamenta por causa delas e não pede para ser libertado. Ele se dirige a Filêmon para lhe pedir que seja bom com Onésimo – se esses dois fossem colegas de aula, imagina quantos risos na hora da chamada! – e que o recebesse em casa. Onésimo, de fato, era um escravo de Filêmon, mas havia conseguido escapar e, na fuga, havia encontrado Paulo, tornando-se seu amigo.

Depois de tê-lo tido um pouco consigo e de ter falado sobre Jesus com ele, sobre a sua humildade e a sua paciência, o apóstolo o havia exortado a voltar a Filêmon, assegurando-lhe que não seria acolhido como escravo, mas "como um irmão caríssimo".

Sara, essa belíssima carta te diz que a liberdade nem sempre é encontrada onde se acredita que ela esteja: Paulo está prisioneiro, mas não se preocupa com a sua liberdade. Onésimo parece finalmente livre, mas a raiva e o medo de Filêmon o tornam mais escravo do que ele verdadeiramente era. Filêmon, aparentemente o mais tranquilo de todos, pensa sempre "se eu pegar o Onésimo, vou fazer com que ele me pague!". Paulo escreve e demonstra a todos que a liberdade é ter um coração sem raiva, sem ódio, capaz de perdoar e deixar-se perdoar.

Cada um de nós deve fazer o possível para proteger a liberdade e reconquistá-la continuamente, a cada derrota. Paulo quer tanto nos lembrar disso que, em uma outra carta, diz aos habitantes da Galácia: "Jesus vos libertou, vos tirou do coração tantos pesos e medos, procurai permanecer livres".

Agora, deveria concluir falando-te sobre mim. Quando nos tornamos conhecidos e importantes, corremos o risco de perder a liberdade. Os amigos – serão sempre todos verdadeiros? – te puxam um pouco daqui, um pouco dali, e dizem "faz isto! faz aquilo!". Às vezes, tu te deixas convencer e, se não estás atento, acabas esquecendo que justamente Jesus disse: permaneça livre! Assim, também agora que eu não posso mais fazer tantas viagens, não posso mais ir a Jerusalém como eu gostaria e não posso mais comer todas as coisas que eu gosto porque estou doente, sou sempre livre para fazer pequenos passeios, de rezar por Jerusalém e de comer – escondido dos médicos! – os chocolatinhos que eu gosto muito!

Nenhum comentário:

Postar um comentário