sábado, 8 de janeiro de 2011

Entrevista de Dom Manoel (II parte)


Segunda parte da entrevista. Dom Manoel comenta sobre a televisão brasileira e outros assuntos em pauta naquele momento, como uma possível renúncia do Papa João Paulo II e sobre o saudoso dom Lucas Moreira Neves.

"A TV brasileira é podre"

Euler Belém — A Globo tem uma imagem de emissora católica. Mas é uma das que mais apresentam padres em situações difíceis em suas novelas. Como o senhor analisa isso?

Não vejo nada de católico na Globo. Pelo contrário, devemos a ela grande parte da demolição dos valores cristãos no Brasil. Hoje, não só jovens, mas até pessoas adultas acham que devem imitar o comportamento e as expressões que são veiculadas nas telenovelas. E não é só a Globo, é a Bandeirantes, o SBT... Esses diretores não sabem o mal que estão fazendo. Na Itália, em 94, a Rai, a televisão italiana, passou o ano inteiro trabalhando sobre a Divina Comédia, de Dante (Dante Alighieri, 1265-1325, poeta italiano). E o grande sucesso que a Divina Comédia fez junto ao público foi exatamente devido às condenações que Dante reserva aos corruptos no inferno. Os jovens se entusiasmaram com a descrição tão perfeita da corrupção. Quer dizer, lá a televisão fez um trabalho educativo, de recuperação da popularidade de um grande poeta.

Euler Belém — Os produtores de TV no Brasil alegam que a oferta de sexo é sinônimo de liberdade, de país desenvolvido. Mas, nos países desenvolvidos, não se vê nada disso.

A televisão brasileira é a mais corruptora do mundo. Dom Lucas Moreira Alves viajou pelo mundo todo, conhece a televisão de 60 países, e garante que nunca viu televisão mais podre do que a nossa. É uma verdadeira escola de prostituição. Às sete, oito da noite, quando as crianças ainda estão na sala, liga-se a televisão e a sala de visitas se transforma num prostíbulo. A televisão brasileira é um curso acelerado de prostituição. Duvido que um pai de família tenha coragem de folhear uma revista pornográfica junto com suas filha de sete, oito anos. No entanto, esse mesmo pai de família assiste telenovelas que mostram essa mesma pornografia, só que não apenas graficamente, mas ao vivo, o que é muito pior.

Euler Belém — O que o senhor assiste na televisão?

O que ainda assisto, mesmo assim com um espírito crítico muito atento, são os telejornais. Programas, só de debate ou algum filme. Nos Estados Unidos já existe uma preocupação no sentido de que a televisão deixe de ser um vício para ser um lazer. Há um grupo alemão que acha que a criança não deveria assistir televisão até os 11 anos de idade. Eles entendem que o tóxico mais terrível da sociedade moderna é exatamente a televisão. A pessoa cria uma dependência absoluta da televisão. E sofre uma transformação psíquica, como ocorre com os usuários de cocaína, heroína. Quando cheguei à Diocese de Anápolis, em 89, ainda havia algumas cidadezinhas do interior que não tinham televisão. Dois anos depois de implantada a televisão, a situação era completamente diferente. As pessoas não eram as mesmas.

José Maria e Silva — Então, o que fazer? Censurar a TV?

Falar em censura deixa todo mundo ouriçado. Mas todos nós vivemos sob censura. Os tóxicos, por exemplo, são censurados. Eles representam um grande risco. Hoje, até o teatro, sob o pretexto de que arte é liberdade, virou bandalheira. É o sexo aberto.

José Maria e Silva — Além da violência e do sexo, o riso exacerbado, o escracho, também não são um corrosivo contra os valores morais? A Globo, por exemplo, já fez novela das sete em que Dercy Gonçalves fazia chacota de Deus.

O homem que não é alegre ou está doente ou é mau. A alegria é a cor de saúde da alma. Mas uma coisa é alegria, outra coisa é o deboche, o escárnio. Esse tipo de riso é um dissolvente terrível de qualquer valor. E é ele que impera, hoje, na televisão. O escárnio, o deboche, é um fenômeno das decadências. O homem chega a um ponto em que não encontra saída e resolve rir da própria desgraça. É o contrário do riso de um Machado de Assis, de um Suetônio, por exemplo, brilhantemente analisado por Viana Moog.

Euler Belém — Reginaldo Faria vai fazer um filme sobre o assaltante Leonardo Pareja e dois jornalistas estão fazendo sua biografia. Estariam promovendo o crime e, assim, patrocinando uma inversão de valores?

Diz o salmista que, “em toda a parte, os malvados andam soltos, porque se exalta entre os homens a baixeza” (Ps 11,8). Não se trata de explicar ou até desculpar os erros dos homens que sempre encontram pretextos para justificar os próprios crimes. O problema está em apresentar criminosos como heróis, super-homens. Porque a humanidade busca sempre a quem seguir e em quem se espelhar. Este é um dos segredos da importância do culto aos santos, que trazem para mais perto de nós, com nossas fraquezas, a perfeição divina de Cristo. Ora, hoje só nos dão anti-heróis, modelos perversos. Carlyle afirmou que “a história dos povos é feita da história de seus grandes homens”. Quais os grandes homens que a sociedade e a mídia nos oferecem? Valeria a pena repensar a lição de James Cagney no famoso filme Anjos de Cara Suja, de 1938.

Luiz Carlos Bordoni — A ficção de Morris West, As Sandálias do Pescador, poderia um dia se tornar realidade dentro da Igreja?

Morris West foi meu colega na Universidade Gregoriana de Roma. Ele foi sacerdote, fez filosofia e viveu uns quatro anos mais do que eu lá. Trabalha com um material muito vivo. Morris West fez a projeção de uma situação que começava a se delinear na época. Mas, então, ninguém poderia prever que João Paulo II seria a reviravolta que foi na Igreja.

Luiz Carlos Bordoni — João Paulo II não está em conflito com a Rerum Novarum?

Absolutamente. Basta ler suas enclíclicas para ver que há uma continuidade de pensamento. João Paulo II faz afirmações fantásticas. Ele diz que sobre toda propriedade grava uma hipoteca social, o que significa que o direito de propriedade não é absoluto. João Paulo II é um homem extraordinário. Evidentemente, tem muitos inimigos, que torcem para que ele saia. Mas sua saúde não está assim tão grave como disse a revista Veja. Estive com o papa este ano e, na audiência que ele teve comigo, pude perceber que ele estava muito debilitado. Era visível o sofrimento dele. Mas, dois dias depois, ele estava muito bem. Tem um poder de recuperação fantástico. E nisso está a contradição da Veja — ela afirma que ele está decrépito, mas depois reconhece que ele não desmarcou um item de suas agendas.

Luiz Carlos Bordoni — Essas informações que alardeiam a doença de João Paulo II não podem ser uma arma de muitos padres progressistas que desejam que ele morra?

Alguns talvez nem rezem para que o papa morra, simplesmente porque não acreditam na oração. (Risos) Alguns, eu não falei todos. Pelo amor de Deus, não venham me complicar... (risos). João Paulo II está recuperando alguns valores que foram jogados fora e estão custando caro não só à Igreja, mas à humanidade. E o papa tem muita coragem. Não é fácil falar o que ele fala nos Estados Unidos, na Irlanda. João Paulo II nos contou que Gorbachev chegou a dizer para ele: “O senhor não é alheio a essas transformações que estão ocorrendo no mundo comunista”. Também não era para menos — quando João Paulo II visitou a Polônia, o New York Times o chamou, em manchete, de “o homem que invadiu a Polônia”.

Euler Belém — O senhor acredita que o papa possa renunciar?

Já aconteceu renúncia de papa na história, mas não creio que João Paulo II renuncie.

Licínio Leal Barbosa — Dom Lucas Moreira Neves, cardeal-primaz do Brasil, teria chance de sucedê-lo?

O papa tem muita estima por dom Lucas, já pude constatar isso. Dom Lucas é um homem conhecido em todo o mundo. Sem dúvida, poderia ser papa.

Euler Belém — A Veja criticou dom Lucas sob o ponto de vista intelectual. Ele é um homem preparado?

Dom Lucas tem uma formação muito sólida, muito vasta. Evidentemente, hoje é impossível se saber tudo. As especializações se multiplicaram muito.

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