sábado, 8 de janeiro de 2011

Entrevista de Dom Manoel (Última Parte)


Última parte da entrevista, dom Pestana fala sobre cultura. De uma maneira irreverente, Dom Manoel mostrou sua inteligência aguçada, capaz de discursas sobre diversos assuntos.

O talento goiano

Euler Belém — Fora a Bíblia, o senhor tem um livro de cabeceira? Lê algum poeta em especial?

Em cima do meu criado-mudo há sempre pelo menos cinco livros. Leio um pouco, antes de deitar, qualquer que seja a hora. A escolha depende da disposição. Chesterton (1874-1936), por exemplo. Ou Gustavo Corção (1896-1978), Lições de Abismo. Hugo Wast, o grande escritor argentino. Virgil Gheorghiu da 25ª Hora e suas deliciosas memórias. Ricciotti, A Vida de Jesus, São Paulo, A Igreja dos Mártires, História de Israel, Com Deus ou Contra Deus, Deus na Pesquisa Humana. Padre Antônio Vieira, incomparável. Às vezes, Agatha Christie. Freqüentemente algum livro de filosofia, ligado às disciplinas que estou lecionando. De poetas, li mais antologias, tão úteis para a formação do estilo. João de Deus, Campo de Flores, o mestre da simplicidade. Castro Alves, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Primavera, muitos sonetos de Camões, Bocage e Antero de Quental, Álvares de Azevedo. O tempo não é muito para as ocupações obrigatórias.

Euler Belém — Quais os autores goianos que o senhor gosta de ler?

A primeira coisa que fiz ao receber do senhor núncio a notícia de que o Papa me queria bispo de Anápolis, foi ler na Enciclopédia dos Municípios tudo sobre as regiões da diocese. No seminário menor, ganhara, de prêmio escolar, o livro Lá Longe no Araguaia. Soube aí que existia Meia Ponte, Antas e outras coisas. Monsenhor Primo Vieira fora meu pároco e professor no Seminário Maior. A família morava em Catalão, outro nome amigo no meu pequeno universo. Mas ao chegar aqui, infelizmente, encontrei tanto o que fazer que tive que deixar a literatura. As dificuldades do início me bloquearam também os contatos com a gente de letras. Conheci Ursulino Leão, Gelmires Reis, Haydée Jaime. Li versos de Cora Coralina, José Mendonça Telles. Soube que Bernardo Élis era originário da diocese. Assíduo freqüentador de jornais, pude encontrar com alegria alguns excelentes prosadores. Gostaria de fazer mais justiça ao talento goiano.

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Força revolucionária

Licínio Leal Barbosa — Goiás deve ao senhor ter trazido aqui, em agosto de 1984, um autor famoso em todo mundo, Virgil Gheorghiu, autor da 25ª Hora e a Espiã. Qual a contribuição dele para os tempos modernos?

A contribuição dele é fantástica. Espero que não seja esquecido. Escrevi no prefácio que fiz para A Espiã que ele era um desses autores malditos. Muitas enciclopédias sequer o citam. No entanto, 25ª Hora foi considerado um dos grande romances da literatura, por ninguém menos que o filósofo francês Gabriel Marcel. Virgil Gheorghiu é por todos e contra todos. Num de seus livros, O Exterminador, ele mostra como Stalin considerava a religião sob o aspecto de sua força revolucionária.

Licínio Leal Barbosa — Naquela noite em que estivemos, no apartamento do escritor Ursulino Leão, com Virgil Gheorghiu, a Bandeirantes exibiu o filme 25ª Hora. O senhor teve influência nisso?

Sim. Insisti para que o filme fosse veiculado durante sua estada aqui. 25ª Hora significa a hora depois do tempo. Houve até um espanhol, Cabo de Villa, que escreveu um livro chamado 32 de Dezembro. Gheorghiu também inspirou Buñuel, em um filme engraçadíssimo sobre um ateu que fala em Deus o tempo todo.

Licínio Leal Barbosa — Como o senhor conheceu Virgil Gheorghiu?

Li Gheorghiu, pela primeira vez, quando estava começando meu magistério em Santos. Eu me empolguei com ele e passei a utilizar suas obras em minhas aulas. Uma de minhas alunas, que era professora de um grande instituto de educação, também fez o mesmo com seus alunos, que resolveram escrever para ele. Falaram de mim e, com isso, se estabeleceu o contato entre nós. Estive em sua casa em Paris, e o convidei, em 84, para ser um dos conferencistas da Semana Internacional de Filosofia em Petrópolis. Gheorghiu estava preocupado com o futuro de sua obra. Havia um documento na KGB, com sua assinatura, falsa, cedendo todos os direitos de sua obra para a KGB. Mas o governo soviético caiu, e ele ainda sobreviveu por algum tempo.

Euler Belém — O que o senhor acha do cinema de Pasolini e de Felini?

Pretendo enviar uma carta à comissão de cinema que incluiu o Evangelho de São Mateus, de Pasolini, na lista dos grandes filmes. Mas Pasolini reduz Cristo à figura de um reformador social. Mais nada. Um de seus filmes, Teorema, até recebeu prêmio da Organização Católica Nacional de cinema, da Itália, mas já era possível perceber que Pasolini estava indo pelo caminho errado. Apesar de alguns possíveis valores "técnicos e até poéticos, a obra de Pasolini é extremamente negativa. Pasolini acabou sendo uma espécie de Voltaire do cinema.

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